sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Uma crônica?

Começou em Botafogo com uma leve mudança no toque do ar, que ganhou certa movimentação sutil, quase imperceptível. Senti uns fios de cabelo se pondo a dançar, tímidos, leves, ao som da brisa que acelerava cada vez mais seu ritmo. Eu estava conversando com um homem que descobri Eduardo, olhos escuros, buço suado e bom papo, vendedor de revistas independentes - comprei duas, uma sobre exposições de arte muito interessante, posso emprestar. Subitamente, percebi no chão uma formação de redemoinhos de papéis de bala e sujeiras das mais tolas (também algumas folhas de árvore) e lembrei a avó do meu namorado que outrora dissera: quando as folhas dançam em círculos, é chuva a caminho. Olhei para o céu e pensei: Fodeu. Nuvens negras movimentavam-se rumo à ruína. Falei ao moço Eduardo: melhor eu ir, dei dois beijinhos. Sim, eu, que vestia um leve e curto vestido pós-praia laranja indiano, não portava sutiã e, na parte de baixo, só um biquíni ainda úmido com resquícios de areia e sangue de final de menstruação. Dirigi-me ao ponto de ônibus mas lembrei que não havia sequer um centavo no tal Rio Card. O ponto onde recarrego, o metrô, estava logo ali na esquina, então parti nessa missão segurando o meu vestido com as duas mãos na tentativa de mantê-lo sobre mim e vendo tudo com os olhos semicerrados, pois poeira e coisinhas de cimento de rua já estavam voando a altura respeitável, e sabe como é chato quando entra coisa no olho, ainda mais no meu que tem lente. Chuviscava, mas cheguei ao metrô muitíssimo seca. Dentro dele ventava muito, eu nunca havia visto nada assim. Na fila extensa, fiquei tentando adivinhar como era a pessoa atrás de mim olhando somente com rabo-de-olho. Errei. Na minha vez, tentei pôr logo 60 reais no cartão para adiar a próxima recarga, mas a máquina só aceitou a cédula de 50.
Quando cheguei ao nível da rua, percebi que nada havia me preparado para o caos que se desenrolava. Gotas velozes e obesas caíam do Céu com grande força. O vento havia tomado tanta violência que virava guarda-chuvas ao contrário, desprendia inúmeras folhas das árvores e fazia mesmo machucar as pernas aquelas tais poeirinhas mencionadas, como a areia da praia em dias ventosos. Já a chuva caía numa diagonal incrível, queria eu ter podido com a matemática calcular.
Na rua, poucos corajosos se atreviam a mergulhar; a maioria das pessoas corriam a pequenos gritinhos e se abrigavam sob marquises das mais diversas. Até o tio do cachorro-quente cedeu sua sombrinha; meia dúzia de pessoas se espremiam para caber perto dele. Chovia tanto, tanto, que a minha melhor opção se mostrou caminhar para o trabalho dos meus pais, que ficava a uns oito minutos andando. Confesso que, no início, quando senti a lama entrar pela minha sandália e sambar entre o couro e o meu pé, e percebi que meus seios sobre o tecido úmido já não tinham tanto pudor e que minha mochila ia encharcar, pensei "Porra! Meu livro novo do Nietzsche!". Mas depois lembrei que ele estava embalado e, afinal de contas, que a chuva era absolutamente refrescante (o dia havia ardido em fogo), e que era mesmo muito hilário observar as pessoas correndo desesperadas de um lado para o outro, e um tanto meigo ver que para caber sob as marquises a galera ficava bem pertinho, e podia ser qualquer um ali do lado, só queriam se manter minimamente secas. Vi três colegas de trabalho dividindo um guarda-chuva e um pai protegendo seu filho sob o capuz do casaco que antes estava usando. Então comecei eu mesma a gargalhar. Corria, segurava meu vestido, sentia o vento balançando meus cabelos, a água me tomando cada vez mais, as pessoas agindo em caos e me diverti da mais intensa maneira que poderia. Quando já estava perto do meu destino, vi duas miniaturas de gente também às gargalhadas, brincando com as poças e achando muita graça. Uma moça passou perto de mim e falou, sorrindo "as crianças que adoram". Respondi, contente: "ah, moça, eu também amo".

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

a magia da arte
com tamanha graça e delicadeza
faz-se navegar pelas minhas veias
provocando, por onde circula,
em meu inteiriço corpo pouco são
uma inexplicável sensação de viver.

e assim de todo e qualquer modo
eu me sinto entregue ao mundo e à vida
porque sou e faço parte de algo tão fluído
tão luminoso
tão belo
tão eterno
tão livre
que não importa para onde olho

há tanta beleza indescritível presente em cada detalhe
dos mais tênues aos mais severos
que às vezes verdadeiramente sinto
que vou morrer.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Teu corpo chorado por mim,
afogado em lágrimas que afundam ferida,
e amado com um Amor que não se sabe se é,
este teu corpo que outrora me vira partir
hoje me esperar chegar para dizer se é fato que em águas passadas jamais mergulharemos mais.

Enquanto isso, a minha dor
que tão sóbria me desfigura o rosto
já não mais me permite ver cor.
Ela ordena.
Obediente, abdico de toda a vaidade para profundo sentir isso tanto que me enforca lento.
Meio morta, percebo que em minhas veias nunca antes passara um sangue tão vívido. E expurgando lágrimas sem fim, é fato que há muito já parti.
Pétalas frágeis se deixam pelo caminho.
Antes de ressecarem, dançam última valsa folha ao vento.
E me veem, ainda que por instante desatento,
breve,
lento,
meu leve sorrir.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Meu corpo acordou amargo
em sintonia com a chuva gélida nesse dia sem luz.
E cada pelo que se arrepia ao esbarrar no frio
me dói com um peso que nem existe.
Ah, se eu pudesse controlar meus pensamentos! Eles me levam sempre aonde eu não quero chegar. Como uma navalha, por dentro rasgam, à maestria e cuidadosa falsa leveza, tudo o que de lógico há em mim. No fim, não me resta nada que não a solidão mais dolorosa e incolor. Os olhos, de tão flácidos, deixam as lágrimas caírem
pesadas e incontroláveis
em um fluxo que então me doma, dominante e dominador.
Queria eu me livrar de mim mesma, mas quanto mais profundo me detesto, mais me fado ao pesar de existir somente enquanto sendo eu.
As palavras que escrevo, ao menos estas, ainda são sãs. E ao escrevê-las, de modo sutil porém severamente amargo, transbordo todo o pólen que de tão bonito já não cabe mais em mim.
Sentir é mesmo a melhor e a pior das bênçãos.
Às vezes me pergunto se não prefiro ser uma lagarta.
Mas se hoje é um dia frio, chuvoso e intensamente cinza, também indago se amanhã não poderia ser colorido tais como as asas de uma borboleta.
E assim eu fecho os olhos
sobre os quais nenhum controle tenho mais
e adormeço,
cansada,
em algum canto dentro de mim...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

sad eyes

Chorando em todo canto tanto
Choro profundo transbordante ferve
Me cai ingênuo pleno mar sofrido
Lábios salgados triste gosto em pele

Vagando sempre em lugar algum
Escorre vivo sangue corpo inerte
Aos tristes olhos incansáveis vivos
Urgência traço vil que lhes bem serve

Perdidos em profundo sentir dor
De tanta dor bela muda floresce
Devora interno morno peito aflito
Que por pedido surdo o mundo esquece

Com maestria à infinita chuva
Se apodera sem pedir perdão
Derrama pura água sobre vida
O céu um filho do meu coração

domingo, 15 de novembro de 2015

me sinto muito triste por não conseguir mais escrever; choro todas as palavras e elas se perdem no mar a se formar no meu colo antes mesmo dos meus dedos começarem a dançar. como dói sentir a dor das coisas todas e ainda não conseguir escrever sobre elas, apenas deixá-las guardadas dentro de mim apertando meu corpo como uma bomba-relógio crescente, enquanto meu rosto molhado implora por vento e sal de mar; por algum terno horizonte que possa me guiar na impressão bonita do infinito. plástico, adoçante e wifi estão me tornando esquizofrênica. sinto necessidade de olhares demorados, da contemplação dos detalhes mais banais do cotidiano e da maravilhosa alegria de sentir verdadeiramente que a vida flui dentro do meu corpo, transbordando cabelos e mãos e lábios e alcançando os pássaros que rumam os raios de sol ao se pôr. sinto saudade dos nuances dos tons de laranja, rosa, lilás que preenchem as nuvens no amanhecer dos dias abençoados.
beleza.
falta da indescritível beleza que há nas ações movidas pelo Amor. e me toca fundo na ferida toda essa falta de toque que se converte numa inconformação crescente que se faz liberta em forma de lágrimas e de palavras que nunca escrevi. é impressão minha ou nada existe de verdade?
me sinto doente por não entender coisa alguma; às vezes o ser humano me enche de medo.
enquanto escrever me dói, não escrever me dói profundamente mais.
já não posso mais parar.
sou feliz. me sinto muito grata, o tempo todo, por tudo e por todos. mas agora, apenas alucinada de tanta tristeza dum surto terrível que é meu vômito das coisas terríveis desse mundo, tô me sentindo muito sozinha e quando me olho no espelho não sei porque eu sou.
oh, céus...
mal comecei, mas já não posso mais continuar.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

vermelhas

me disseram que a ruína era o caminho para a transformação
eu cuspi no chão
e vi em mim mesma o peso
e a dor do peso de sentir tanta dor.
porque já também me disseram que é fácil ser filosófico quando quem sofre é o outro
e isso é verdade
mas o difícil, o difícil mesmo,
é pegar a própria feiura que nos auto envenena o coração
e tirar dela um buquê de flores cheirosas e coloridas
como as rosas que você nunca me deu.
é engraçada a forma como você debocha e não compreende
que apesar de ser muito jovem e muito ingênua
eu sou capaz e sofro a dor da negação
sofro o pesar e a morte daquilo que poderíamos ter sido e que seria tão tão bonito
como passarinhos voando ao som de caetano, à luz do pôr do sol primaveril.
me disseram que o segredo era confiar no poder do tempo
pois ele é o rei dos poetas não-amados e das efemeridades do coração
e que eu deveria apagar todas as fotos
seu número
as mensagens
as músicas
tudinho
pra não cair na tentação de sair correndo atrás de você, seminua,
num dia frio de chuva, como num filme de almodóvar
e te beijar a boca com um desejo tão reprimido que me dominaria antes mesmo de eu trocar de roupa
e ah, não nego, de te arrancar tudo o que te cobrisse
só pra poder sentir melhor o calor dos seus braços e o perfume dos seus pelos e a textura dos seus cabelos castanhos...

pois eu consegui, eu apaguei tudo o que havia de você nos objetos que me servem
foto por foto
lágrima por lágrima
mas há um lugar que não consigo alcançar: a minha mente
tão burra
que guarda todas aquelas memórias
que meu coração masoquista insiste em lembrar e relembrar tantas tantas vezes
me ferindo tanto
me deixando com tantas saudades
e com tanta mágoa...
e com tanta RAIVA...
e com tanta vontade de te socar o peito morno e puxar seus cabelos que amo e arranhar suas costas largas e bater na sua face tão bonita e morder os seus lábios macios até eles sangrarem a dor que sinto
e que é da cor das rosas cheirosas e coloridas
que você nunca me deu.
e no final...
quando eu finalmente percebo...
estou de novo embriagada com o sal das minhas lágrimas
sozinha,
cansada,
patética,
pensando em você...




quinta-feira, 18 de junho de 2015

Luna

Sempre a posar com a doçura
De quem sabe por dentro e enfim
Que para todo e eterno sempre
Brilhará apaixonadamente sozinha

Surge aos poucos
Como que coberta por ingênuo pudor
Como quem precisa do doce tecer do Tempo
Para majestosamente despir-se à luz de si própria

No início, ela é apenas um sorriso no Céu
Um risco alaranjado e cheio de calor
Que de tão inocente e tão singelo
Faz transbordar dos eternos românticos os sinceros olhos

Depois, deixa delicadamente desprender de si
Mais um pedaço de seu manto consagrado
E mostra-se mais um pouco, com elegante capricho
E mais um pouco se entrega à dança pelo som da gaita de uma criança encantada

No fim, ela é rainha de si.
Tão dona daquilo que pura e simplesmente é,
E tão cheia das incertezas mais tenazes,
Que liberta-se de tudo aquilo que um dia lhe provocou dor.


Em sua mais completa nudez e exposição
Ela, Luna, tão bela e iluminada
Mesmo fadada à solitude dos astros sofridos
Veste o coração daqueles que da Terra a observam Apaixonados. 

E seu brilho ensurdecedor
Que lhe transborda como o beijo de um Amor
Enche as noites de todo o mundo
Com seu misterioso e acolhedor calor de mulher...

terça-feira, 16 de junho de 2015

poça

jamais poderei escrever novamente!
pois escrever é se encontrar e se perder
mas
oh, meu Deus,
eu só sei me perder!
eu não consigo mais escrever!
oh, eu sempre me ponho a chorar!
desesperada
frustrada
encaro a eterna poça sob mim a se formar
transbordo densas lágrimas salgadas
e sofro o peso de existir!
fadada à vida humana
sou também as cores do céu
mas, oh, céus!
não caibo e explodo, eu choro, eu choro!
e enquanto tanto choro
com meus olhos embaçados
vejo
de dentro da poça lagrimosa
uma doce onda surgir
e com grande elegância
me arrastar pra dentro de mim.

aqui dentro, sem ar
nado rumo ao meu cerne mais profundo
e quando me encontro, me vejo enfim:
uma flor a desabrochar.
então sorrio e choro tanto
que transbordo mais e mais
e sem ar, sinto aos poucos
minha doce vida que se esvai
mas a flor continua tão viva
sempre sempre a chorar...
e a poça cresce tanto e tanto!
sem poder jamais parar...

quarta-feira, 3 de junho de 2015

sobre escrever

cuspo
às vezes romântica

às vezes cruel
às vezes lacônica
às vezes bem mansa
às vezes sem rumo
às vezes sem mel

às vezes me perco
às vezes me acho
num abismo infinito
coberto com véu
mas nunca me calo
e nunca renego
o gozo da alma
exposta ao céu.