quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Histórias de ônibus - um relato pessoal


Acho que descobri porque aprecio tanto a minha relação com a arte de escrever. É porque somos amigas, amigas de verdade. Quando minha vida apresenta-se corrida e eu não tenho tempo para dedicar à Escrita, a própria me compreende, me espera pacientemente. E quando, de súbito, sinto uma necessidade de escrever e tão simplesmente sento numa cadeira e posto-me à digitar, a arte me recebe de bom grado com um abraço saudoso.
Hoje, vim escrever depois de algum tempo, e estou deliciada com a sensação que é a de sentir-me tão à vontade. De todas as formas, queria falar sobre ônibus.
Já é do conhecimento das pessoas próximas à mim que tenho uma certa devoção por ônibus e que "pegá-los" com muita frequência é quase como um ritual. A explicação que dou é que, além de adorar a tremedeira, de adorar cumprimentar o motorista e de escolher meu assento, também adoro observar as pessoas, tanto as que estão dentro do automóvel quanto as que estão fora. A espontaneidade humana é loucamente fascinante, e se me sensibilizo para captá-la nos mais diversos seres, então minha mente produz uma porção de reflexões que me acrescentam como pessoa e me ajudam a fortalecer minha visão sobre o mundo.
Nessa última segunda-feira, entrei em um ônibus com os fones de ouvido em seus respectivos lugares (meus ouvidos) e resolvi sentar no lado oposto de um moço meio maltrapilho que olhava atentamente através da janela. Ele tinha a pele meio machucada e feia, as roupas sujas, os pés calçados em chinelos velhos. Percebi, na feição das pessoas que estavam próximas a mim, um certo incômodo, e vi que elas olhavam alternadamente para o moço mencionado. Então, dei pausa na música que ouvia e percebi que o homem cantava. Cantava alto uma música estranha em inglês, o que passou a me incomodar também. Subitamente, vi-me intolerante e preconceituosa, pois percebi em mim uma centelha de medo e um certo receio quando aquele maluco inconveniente. Mas ai comecei a prestar atenção, e senti um aperto no coração. O moço tinha, na verdade, uma voz extremamente bonita, ligeiramente rouca e profunda, e ao traduzir a letra da música, descobri que ele estava apenas tentando, na sua maneira, proliferar um pouco de paz e de amor. A letra falava sobre humanidade, sobre os sentimentos perdidos, sobre os valores que realmente importam - e era linda. O amor, a paz, a felicidade, a fraternidade; era tudo tão sensível. Fiquei orgulhosa e admirei a doçura da voz dele, a energia bondosa que ele exalava, admirei a falta de vergonha dele. Ele não estava incomodando ninguém. Na verdade, minha viagem ficou maravilhosa; tirei os fones e fiquei prestando atenção apenas à ele, e quando saltei do ônibus, estava sorrindo.
No dia seguinte, peguei outro ônibus que estava meio longe de mim. O motorista viu que eu ia entrar nele e fez sinal para que eu atravessasse a rua, parecendo dizer que dava tempo. Corri, entrei, cumprimentei, ouvi-o respondendo ao meu "boa tarde" (isso nem sempre acontece!) e percebi que ele conversava com a trocadora de uma forma tão gentil e agradável que nem ouvi música; fiquei apenas admirando sua educação, seu ar feliz, a evidente mas sutil forma com que ele levava seu dia, e que era muito especial.
Ontem, também em um ônibus, tudo parecia normal. Ai chegou na Lapa e ouvi um barulho bem alto; era um moço batendo no ônibus, como para que ele parasse. Mas o motorista, apressado, não esperou, e ai perceberam que o moço que batia havia acabado de descer do ônibus e tinha esquecido algumas sacolas de compras. Então, no próximo ponto, um desconhecido pegou as sacolas, desceu do ônibus e correu para entregá-las ao dono. Disse que ao motorista que ele não precisava esperá-lo, mas o motorista esperou e tudo ficou bem.
Achei muito, muito bonito.
Talvez essas histórias todas pareçam inúteis para algumas pessoas. Respeito a opinião de quem acha isso, de verdade, mas acredito que com um pouco de esforço, elas possam parecer realmente especiais.
Obrigada por lerem.

Um comentário:

  1. Histórias de ônibus não faltam e nessas observações e reflexões é de onde tiramos as melhores ideias e pensamentos. Excelente texto, minha linda.
    Beijão.

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