Ah!
Como pôde ser tão bonito?
21 de janeiro.
A pele dela tinha um tom cor de marfim. Nas suas mãos, algumas sardas marcadas pelo Sol. Seus cabelos... Dou-ra-dos. Ah, céus, como poderia haver anjo mais lindo?
A pele dela tinha um tom cor de marfim. Nas suas mãos, algumas sardas marcadas pelo Sol. Seus cabelos... Dou-ra-dos. Ah, céus, como poderia haver anjo mais lindo?
Um dia me disseram que ela não era bonita. Fisicamente. Demorei
um tempão pra entender isso, e mesmo quando percebi que seus traços lhe eram
singulares, que o pequeno espaço entre seus dois dentes da frente podia causar
certo desconforto à vista alheia e que suas unhas estavam sempre mal-cuidadas,
comidas, com esmalte descascando... Bem, eu continuei sem entender como ela
poderia não ser linda.
Ela era absolutamente e detalhadamente linda.
Linda.
21 de janeiro.
Ela me ligou, disse que precisava ver o Mar. Sempre possuiu uma conexão com ele. Sentia na eternidade das ondas uma impetuosa sede de vida, e no ondular das águas, uma paz profunda e satisfatória. Passava horas a fio sentada na areia, observando distraidamente o incessante espetáculo das ondas. Fechava os olhos pra sentir o vento e para ouvir melhor o barulho que a água fazia, às vezes com força, hipnotizando-a, às vezes com leveza, acariciando sua alma. O Mar jamais causava medo no coração dela. Mesmo quando as ondas acalçavam dois metros de altura, e um monstro parecia subir a superfície, ela continuava olhando fixamente para ele; não como quem provoca maldosamente, mas como quem possui convicção da sua própria força.
Ela me ligou, disse que precisava ver o Mar. Sempre possuiu uma conexão com ele. Sentia na eternidade das ondas uma impetuosa sede de vida, e no ondular das águas, uma paz profunda e satisfatória. Passava horas a fio sentada na areia, observando distraidamente o incessante espetáculo das ondas. Fechava os olhos pra sentir o vento e para ouvir melhor o barulho que a água fazia, às vezes com força, hipnotizando-a, às vezes com leveza, acariciando sua alma. O Mar jamais causava medo no coração dela. Mesmo quando as ondas acalçavam dois metros de altura, e um monstro parecia subir a superfície, ela continuava olhando fixamente para ele; não como quem provoca maldosamente, mas como quem possui convicção da sua própria força.
Ah, ela mal sabia que forma como as ondas batiam nas rochas
lembravam tanto os seus cabelos ao vento.
Ela mal sabia que era tão, tão frágil.
Nesse dia, 21 de janeiro, eu respondi ao telefone que queria
muito vê-la, que poderia ir para qualquer praia no mundo encontrá-la, que precisava vê-la, pois senti na sua voz
uma necessidade urgente de abraços apertados, daqueles que quase machucam. Ela
disse que precisava ficar sozinha e que me amava tanto, tanto. Disse que só
queria nadar nua. Disse que estava chorando e que queria chorar dentro do mar.
Desligou o telefone antes que eu pudesse oferecer o meu ombro, os meus lábios,
a minha alma, ou outra coisa qualquer que pudesse acalentar o seu espírito
desesperado.
Tentei retornar a ligação mas ela não tinha mais o celular.
Estava sozinha. E a idéia de vê-la sozinha era tão amendrotadora para mim... Ela
sem mim sou eu sem ela, e meu egoísmo é como uma algema que nos prende para
toda a eternidade.
Certa vez eu disse que ela não podia mais sair sem me
avisar, pois quando ia embora sem deixar recado, eu a imaginava nos braços de
outro alguém, e o meu egoísmo é como uma algema que nos prende para toda a
eternidade. Ela olhou no fundo dos meus olhos e disse “Ei, não fale isso. Eu
sou uma passarinha. Eu nasci pra ser livre. Quando alguém me prende, eu choro
calada. Jamais canto. E meu espírito continua livre.” Mas!!! Ah... Eu disse que
imaginar seus lábios roçando os de um outro alguém era como uma navalha em meu
coração. Que não suportava a ideia de outros dedos causando arrepios em seu
corpo tão meu. Ela olhou para baixo. Alguns fios do seu cabelo lhe cobriram os
olhos. Eu afastei os seus cabelos, e ela olhou pra mim, ela olhou no fundo de mim e disse, como em câmera lenta, “eu
estou aqui com você. Eu sou apenas minha, e faço minhas escolhas. Eu já te
escolhi. Não seja bobo.” E me beijou com tanta força, seus lábios calorosos
ansiosos por compreensão, seu corpo se despindo aos poucos e se abrindo como
uma rosa.
Como ela podia me ter assim tão facilmente?
21 de janeiro.
Estava começando a choviscar. Peguei minha bicicleta e fui pedalando pela orla das praias. Não havia uma pessoa sequer. Estava tão frio, e o mar tão agitado! Quem seria louco de mergulhar logo num dia como aquele?
Estava começando a choviscar. Peguei minha bicicleta e fui pedalando pela orla das praias. Não havia uma pessoa sequer. Estava tão frio, e o mar tão agitado! Quem seria louco de mergulhar logo num dia como aquele?
Lembrei-me do quanto ela amava mergulhar. Parecia uma prece.
Ela sentia o mar como um bebê sente o útero de sua mãe. Fechava os olhos e
mergulhava o mais fundo possível, sentindo a areia com a sua barriga,
tocando-a, acariciando-a e se abençoando com ela.
Pra mim, vê-la no mar era como presenciar um milagre.
Quantas vezes ela já me fez chorar ao correr pela areia seca
e ao entrar na água gélida tremendo, tão feliz, tão pura?
Quando submersa, ela se esquecia do mundo. Esquecia que
tinha uma identidade. No fundo do mar, não havia poluição sonora nem visual.
Era apenas aquele vazio intenso e profundo a preenchê-la pedacinho por
pedacinho. Ela ficava tão leve. Certa vez, me disse que quando mergulhava e
ficava parada no fundo do mar completamente imóvel, podia sentir a própria
alma. E disse também que sua alma era como um impalpável pedaço de luz que
dançava dentro do seu corpo e tomava forma dentro do mar.
Ela pronunciou aquelas palavras olhando nos meus olhos e
sorrindo com tamanha serenidade... Que eu achei aquilo tão lindo... Tão
lindo...
21 de janeiro.
Continuei pedalando e procurando por ela. Quase uma hora depois, quando já me entregava ao desespero, avistei o que parecia ser um monte de roupas. Não tive dúvidas. Ela estava ali, e estava tão próxima, e eu a havia encontrado, e eu a amava tanto, e agora poderia abraçá-la e dizer que estava tudo bem, dizer que eu talvez não conseguisse entendê-la mas que ela não era louca como afirmava que era, e que agora poderíamos ir juntos para qualquer lugar no mundo nos beijar como se nossa sede só pudesse ter fim na saliva alheia.
Continuei pedalando e procurando por ela. Quase uma hora depois, quando já me entregava ao desespero, avistei o que parecia ser um monte de roupas. Não tive dúvidas. Ela estava ali, e estava tão próxima, e eu a havia encontrado, e eu a amava tanto, e agora poderia abraçá-la e dizer que estava tudo bem, dizer que eu talvez não conseguisse entendê-la mas que ela não era louca como afirmava que era, e que agora poderíamos ir juntos para qualquer lugar no mundo nos beijar como se nossa sede só pudesse ter fim na saliva alheia.
Deixei minha bicicleta no meio da rua e sai correndo.
Eu gritei seu nome inúmeras vezes, mas não obtive resposta,
tampouco consegui vê-la por completo. Uma neblina havia surgido e agora
tornava-se mais densa.
Continuei correndo até chegar ao monte de roupas. Vi seu
vestido amarelo, aquele que ia até os joelhos e prendia com dois laços,
amarrados um em cada ombro. Sua calcinha também estava ali, branca, não muito
grande, com um pequeno detalhe de renda. Mas cadê o meu anjo? Fiz tremendo
esforço para enxergar além da neblina, me aproximei da beira da água e procurei
por ela. O mar se quebrava em ondas pesadas e fortes. Com dificuldade,
enxerguei o que parecia ser uma cabeça, logo depois do limite onde as ondas se
quebravam.
Era ela. Lógico que era.
Maluca...
Minha maluca.
Entrei um pouco no mar, mas morri de medo. Gritei o nome
dela inúmeras vezes, até que, finalmente, ela pareceu ouvir. Olhou pra trás,
apertou os olhos, me enxergou e sorriu, o rosto ligeiramente inchado de tanto
chorar.
Meu coração se apertou de felicidade, e eu entendi que
sairíamos dali juntos e molhados, com os corações acelerados e as mãos
entrelaçadas.
Eu estava cego de alegria, e ela não conseguia parar de
olhar nos meus olhos; mesmo estando longe, aquele olhar era certeiro, profundo,
intenso e dela.
Foi ai que uma onda,
Uma onda tão grande e tão forte
Veio e engoliu-a.
21 de janeiro.
Ainda não entendo como pôde ser tão bonito.
Perdi o amor da minha vida pra sempre
E foi melancolicamente lindo.
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