Um segredinho

De vez em quando eu sento no chão e fico de frente pro espelho do meu armário, me fitando, contemplando o meu reflexo. E a reação no meu ser não é meramente ligada à estética (pois nesses méritos superficiais eu não faço questão de entrar), mas puramente espiritual. É porque sinto como se o meu corpo não me pertencesse; é um bem material que me foi concedido, emprestado durante a minha estadia na Terra para que eu possa existir aqui. É a carne, o osso, o sangue que serve de abrigo pra alminha que enfim é o que sou. E nessa meditação na qual me entrego, me vejo tão impalpável, tão pequena e tão grande, tão energia, tão luz, que começo a chorar, pois me sinto muito feliz.

É aí que começo a agradecer e a amar incomensuravelmente. A agradecer a cada centímetro do meu corpo por existir e amar cada detalhe dele que me possibilita fazer tudo; cada perna que me permite andar e levar a paz pra onde eu vou; cada braço que me deixa dançar, balançar, imitar um pássaro; cada mão que me permite o toque e a carícia; cada dedo que traz o entrelaçar. Cada pinta, cada detalhe, até as cicatrizes... Eu me entrego à essa entrega e morro de amor pelo meu corpo porque mesmo não sendo perfeito, ele é a o instrumento que tenho para proliferar tudo o que considero lindo e significante. Será ele a minha fonte de prazer, será ele quem possibilitará o surgimento da vida através do meu útero, e ele também envelhecerá comigo conforme os anos forem se passando. Isso me dá muita paz, pois consigo ignorar a sociedade, seus estereótipos, seus ideais preconceituosos sobre o que é ser lindo, o que é ser feio. Simplesmente entendo que não preciso me achar linda pra me tornar consciente do que eu posso ser. Simplesmente, vejo que me amar não é egoísmo, não é ego, é só consciência. E aí fico ainda mais feliz.