terça-feira, 20 de novembro de 2012

Devaneio no sofá

Vou contar bem rapidinho uma pequena história, tá? Não há nada de tão especial nela e provavelmente é por isso que eu faço tanta questão de escrevê-la, mas, convenhamos, você não está fazendo nada de interessante no momento (do contrário, não estaria em frente à tela do computador), então possui em seu arsenal de vida alguns minutos para dedicar-me aqui.
Sem hesitar nem uma ou duas palavras a mais, começarei.
Havia uma mocinha no auge dos seus vinte e quatro anos - cuja pertences mais queridos eram seu bugre amarelo, um livro de contos de fadas e o vinil do Cartola -, morando em uma casa meio rupestre bem longe da cidade, deitada em um sofá laranja florido e com os braços entrelaçados aos de um rapaz. Ela havia acordado mais cedo do que ele e, portanto, seus olhos já estavam abertos enquanto nos dele não havia a menor pretensão de ver a luz do dia. Gostava de preparar o café assim que acordava, depois de calçar suas pantufas e desejar bom dia à vida, espreguiçando-se lentamente e acordando cada centímetro de seu corpo; mas naquela manhã esperou, esperou que alguma outra coisa que não a familiaridade confortante do cotidiano a fizesse mover-se. De onde estava, conseguia ver os pelos ligeiramente eriçados daquele braço amável que a guarnecia; enxergava ainda seus pés e aquelas unhas estranhas que tentavam crescer em seus dedos também esquisitos. Ah!, como os amava, e como ostentava uma sorte esplendorosa de poder tê-los ali, pertinhos de si...
O nome dele era Sol. Um nome bem atípico para homens, mas... fazer o que? Sua mãe era doidinha pelo Sol e não pôde criar alguém que não tivesse esse nome. O nome dela a gente acabava adivinhando, consequentemente; era Lua, isso mesmo, bem clichê porque é assim que eu quero que seja hoje. Eles haviam se conhecido não sei aonde e não sei como, também pouco importa; logo se beijaram e souberam que passariam a vida inteira juntos, porque ele brilhava pra ela como o Sol brilha pra Lua e vice-e-versa. Em comum havia muita coisa, é claro; ambos eram viciados em música, café, açaí e moedas de cinquenta centavos fabricadas em 1994 e amavam "O Conde de Monte Cristo", mitologia grega e o céu. Diferenças eram outras muitas, e isso também não é de surpreender; dentro dela havia uma felicidade extensa e ilimitada, uma gratidão louca à Deus e ao mundo por tudo e todos. Já ele, restringia-se a admirar a forma dela de ver a vida e a rir de seus risos espontâneos e frequentes, sem sair de sua piscina cheia de ratos, meio afogado na realidade e preso aos grilhões que o mundo insistia em impor. Ela gostava do mar e ele de areia, e então visitavam a praia e os dois punham-se felizes, mais pela companhia alheia do que pelo ambiente em si. Ah!, formavam um casal bonito, se é que posso atrever-me a usar essa palavra. Não eram um casal, pois ainda que fossem dois, completavam-se e ficava um só, não só no sexo - o que é evidente - mas também na essência.
Agora, ela não estava com preguiça. Conseguia ver os raios do sol lá fora e levantar não doía - pelo contrário. Mas não tinha pelo o que mover-se. De súbito, começou a pensar na vida, na causa e no efeito das coisas, no Karma natural, em Buda, em Cristo, no filme que havia alugado na semana anterior e que era tão legal. Iria alugar de novo? Ou seria melhor comprá-lo de uma vez? Ou gastar esse dinheiro arriscando ver um outro que ainda guardasse a possibilidade de surpreendê-la ou decepcioná-la? Em física, em astronomia, em gastronomia, alquimia, na alface que comprara em uma loja de hidroponia e que possuía um sabor tão normal apesar das circunstâncias na qual crescera, no livro que não terminou quando era mais jovem ("Veronika decide morrer"; nunca achou nada demais em Paulo Coelho!). Deveria terminá-lo, dar até sua última página a oportunidade de ter valido a pena? Ou simplesmente deixaria pra lá, afinal, não tinha a menor obrigação de fazer nada que não tivesse afim? Na sua sobrinha que agora já completava os cinco anos, na delícia que é a inocência das crianças e de como ela deve ser preservada ao invés de deturpada. No seu coração que era tão anarquista e também no seu cérebro, cem por cento capitalista. No caos do mundo, na felicidade da vida e no seu amor, o Sol, que conseguia ser sua luz em todos os sentidos e que dormia tão angelicalmente, os cabelos claros e cacheados caindo um pouquinho em seus olhos, as pestanas longas guarnecendo aqueles olhos amáveis...
No final das contas, quando finalmente cedeu e mexeu-se, foi para beijar-lhe a face, um ato tão lindo e tão transbordante em sua ternura que valeu meu tempo escrevendo. E a certeza de que encontrara aquilo pelo qual estava esperando arrancou-lhe um sorriso...

3 comentários:

  1. É o seu melhor texto. Mas não conta pra ninguém!
    Beijo.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Vc tem realmente um jeito único para escrever.
    Esses seus textos me fisgaram como um peixe. Continue assim.

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