terça-feira, 26 de junho de 2012

O pombo

Fui me debruçar sobre o parapeito da janela sem grandes pretensões, apenas para respirar um pouco de ar fresco, e, como quem não quer nada, olhei para baixo, à procura de um objeto de distração. Logo veio aquela sensação de surpresa que tanto gosto; vi um troço branco meio morto. Na verdade, demorei um pouco para entender que era um pombo branco meio morto. Primeiramente, parecia uma almofada manchada que havia caído acidentalmente de alguma casa do terceiro andar, mas depois ficou evidente que era um pombo com a coluna toda torta. Tomei pena do bichinho, pena mesmo. Tanta pena que me senti apegado à ele, como se eu reconhecesse, em sua ausência de vida, um pouco da acidez com que eu guiava a minha. Resolvi descer nove andares de elevador para chegar até ele. E quando o avistei de pertinho, percebi que seu peito subia e descia sutilmente, que ele ainda estava vivo. Senti-me subitamente aliviado, mas também muito triste, pois o bichinho devia estar sofrendo muito ali, oblíquo, com os olhos virados pra baixo buscando apoio desesperadamente, as asas completamente imobilizadas e uma carinha irremediavelmente perdida. Ele morria, e morria com consciência da morte, sentindo cada centímetro de seu corpo perder essência, sentindo apodrecer até a nódoa amarela de um ovo que beliscara há pouco e que ainda marcava seu rosto. Não podia nem se matar logo, coitado; à ele cabia apenas aceitar a falta de sorte e padecer solitário. Não aguentei vê-lo assim, pois algo naquele pombo me lembrava à mim mesmo e me enfurecia. Fui tomado por uma cólera incontrolável e sentei ao lado do pombo.
- Pombo, não morre, não.
Parecia que eu suplicava para mim mesmo.
E o danado continuava respirando, calma e serenamente, como se morrer fosse uma questão de tempo - e realmente era. Entristeci. Eu era um pombo meio morto, também. Um cara que esperava que a vida me desse qualquer coisa de bom grado, com uma pseudo-paciência que existia por obrigação. Talvez eu estivesse respirando calma e serenamente, mas com os olhos expectantes procurando salvação, também.
Não aguentei. Subi lá em casa, procurei a caixa de ferramentas e de lá tirei um martelo. Depois voltei para encontrar aquele pombo que já havia se feito um bom amigo. Olhei com dó, mas sem piedade.
- Pode descansar, pombinho.
Foi aí que martelei a cabeça dele e vi uma explosão de sangue, os olhos do meu amiguinho saltando pra fora. E me senti um bom rapaz.

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