sábado, 30 de maio de 2015

Diálogo entre amantes

(texto escrito por mim em meados de 2012)

- Querido anjo meu, peço licença para chamar-te assim e perdão por não resistir a esse costume austero; é que não vejo-te de outra forma que não com auréola e brilho ao redor, carregando no peito um conjunto de arco e flecha apontado diretamente para meu coração frágil. Eu tentei cair na tentação do sono eterno para que, nos sonhos, nós pudéssemos nos encontrar, ouvir serenatas e trocar afagos, mas parece que meu esforço tão árduo e ansioso foi em vão; tu não estavas lá, nem escondido atrás do belos ciprestes nem flutuando sobre as rosas silvestres que gostávamos de colher quando éramos apenas um. Eu procurei em todos os cantos, becos sem saídas e armarinhos, mas não encontrei sequer um sinal do teu semblante astuto ou das pegadas que tu sempre deixas na terra enlameada. Vivi tempestades e pesadelos penosos só para encontrar-te, quebrei juramentos de evitar contemplar meu passado singular e concedi-te a permissão de envolver-me com tuas asas tão ríspidas, e agora que não encontro teu reflexo ao lado do meu nos sinceros espelhos e que sinto que tu só queres acalentar a ti próprio, preencho-me apenas com arrependimento e desejos de poder acordar e fazer desse amor colorido uma farsa preta e branca. Mas não tenho escolha. E por não ter me deparado com as provas do teu amor, consumi-me por um desespero inconsequente; rasguei todas as cartas seladas com pedaços do teu coração e queimei as palavras que tu tão docemente dedicaste a mim. É que pena, tinta e pergaminho nunca supriram minha necessidade do teu afeto, da tua essência misturada à minha fragrância e do perfume cítrico capaz de transbordar o nosso plural. Oh, anjo meu, por que sumistes assim?
[...]
Amado protetor! Venho falar-te novamente pois hoje, enfim, num pedaço do paraíso esbarrei com as provas que meu lado inseguro tanto necessitava. Descobri que tua ausência deveu-se às missões que tu tivestes de cumprir para poder visitar-me neste plano terreno. Oh, querido, já posso sorrir e revelo a ti: agora eu vejo amor em todas as coisas; nas raízes das árvores mais sagazes que se entrelaçam e dão sustento a um verde cheio de esplendor; no brilho do olhar dos homens que se flertam às escuras, apaixonados, amedrontados; na sensação inusitada que dá na boca do estômago quando vejo a sombra do teu semblante se aproximando e nas mãos que de mansinho se entrelaçam as minhas. Eu vejo amor no teu toque, na tua mania de afastar da vista os fios de cabelo importunos que não cansam de te beijar e no timbre da voz rouca e sedutora que a ti pertence e que insiste em adoçar os meus ouvidos. Porque sou feita de amor. Porque transbordo amor, porque respiro amor, e esse ar de amor também é feito. E por viver dele, cobiço ser amada com o mais belo, sincero e intenso de todos os amores, desejo ser tratada como a mais formosa poetisa e poder repousar em teus braços para sempre. E agora, justo agora, depois de tanto falar, peço para que tu me digas a verdade ou desfaças esse laço que tu dizes nos prender: estarás tu realmente disposto a amar-me da forma como somente eu mereço?

- Doce senhora atrevida, parece até mesmo que não percebes o que guardo aqui comigo, pois tais asas que vistes, de certo estão valendo, já que são os meus braços a rodear teu corpo aflito. Eu atravessei certas nuvens, enfrentei tempestades para regressar ao nosso canto e repousar entre teus segredos que desvendei de forma audaciosa, insolente, só para ter à vista o reflexo do teu semblante. Alguns até me chamam de Gabriel, mas estes não importam, pois para ti sou tudo, até mesmo o mais insensato pecado. Que assim prossiga ao longo dos dias, eu cortando essas penas de incertezas que ofuscam o brilho do teu olhar, tu fitando meus olhos como se as íris carregassem a incumbência de proliferar nosso amor. Quando digo olhar, me refiro àquele que tanto primo, que estimo, que invade meus sonhos mais humanos entre asas angelicais. Eu soube que andas trovando meus segredos, dizendo ao mundo que queres liberdade, sem entenderes que sou um anjo caído. Abri mão da minha pureza para morrer de pecado em teus lábios e agora, justo agora, tu vens a dizer-me que deseja desfazer esse laço que nos prende? Pois minha calmaria, tu não podes, já pertences a esse anjo que te fala mansinho e de possessivo tem até os fios de cabelo cacheados. Minha sinfonia angelical, meu paraíso particular, dona dos resguardos das minhas mãos e das tempestuosas tentações, tu és deste pobre desgraçado que lutou contra legiões de soldados entre o céu e o inferno para dar continuidade a esse amor contigo. Depois de tanto, é fato que só posso amar-te da forma como mereces. Agora, clamo: liberte-se desse teu mundo e acorrente-se a mim, entrelace nossas línguas, pois essa será tua algema e prisão, e não haverá pena mais deliciosa do que essa que dividirás comigo. Eu prometo, senhora dos meus olhos, parte da minha alma perdida, que te encherei de tanto amor que irás transbordar viciosamente, deixando escorrer pelo mundo essas gotas de nós dois. Não precisamos da eternidade, nem mesmo das santidades, pois nosso amor tornou-se prece, oração bem feita de fiéis entorpecidos e devotamente apaixonados. Olvidemos, então, meu amor, desse todo falar, e passemos a cortejar essa divindade de nós dois…

- Meu anjo, pronunciando essas palavras mais doces que mel de favo das abelhas tu ganhas meu coração frágil, mas revelo-te que, apesar da beleza inusitada e incomensurável que reside em tua voz, tuas sílabas tônicas e desejo possessivo não são capazes de me prender. É que eu sou feita poetisa formosa e também tenho minhas asas escondidas sob essa pele humana e essência carnal, e, tão somente por tê-las, aprecio a liberdade do voo e me fascino com o plano das alturas. Eu almejo alcançar o ápice das montanhas e admirar o encanto que há na proximidade do céu; tudo ao teu lado. Mas tu me trazes para baixo e em cima é onde cobiço estar! Ah, anjo meu, escuta-me: para ter a mim em teus braços, tu deves largar essa mania egoísta, pois também quero pertencer à amplitude da vida e ao infinito dos oceanos, já que meus limites se limitam à grandeza do inimaginável. As provas que eu desejava, tu já me destes, e não me restam mais dúvidas quanto à veracidade do amor que tu nutres por mim. Nosso laço é indestrutível e nossa união a mais graciosa de todo o céu; porém, temo ter de desatá-los caso tu tentes apertá-los até desfazê-los em pó. Agora sei que tudo o que fizeste por mim fora em nome do amor e que a poesia que transborda da sua fala é tão intensa que faz-se sentida dentro do meu peito. Agradeço, meu amado, agradeço e te digo com sinceridade inigualável que todo o tempo dedicado a tua busca valeu à pena, literalmente. Sei que se não via teu reflexo no espelho era porque tu nunca esteves ao meu lado e sim dentro de mim, residindo como lembrança boa em coração cansado de amar; e era fato, cansados de amar estávamos nós dois, mas tu continuaste com a tua busca e vieste ao meu encontro. Agora, tão somente agora, tenho consciência de que está escrito em algum pedaço da história que fomos feitos um para o outro, porque nos completamos como peças de quebra cabeça que, unidas, formam a paisagem do encontro entre céu e mar. Eu abdicarei de muitas singularidades para que façamos de nossas vidas um esplêndido espetáculo em forma de plural, mas como já disse, tu também terás de livrar-nos das correntes usadas como prisão perpétua. Lembra-te? Os sacrifícios tem de partirem de ambos os lados… Então, o que me dizes, meu amor?

- Meu pôr do sol primaveril, tu és de fato tão bela que peco consumindo-te com o olhar. Desses sacrifícios que tu tanto falas eu bem entendo, pois por muitos tive de passar para chegar ao teu encalço e fitar-te as íris castanhas como faço bem agora. Se tu queres liberdade, liberdade darei-te; tudo para ver-te feliz, para admirar em teu rosto tão esbelto os traços do sorriso que ilumina como sol. Concederei-te o que puder até escassear-me, até meu ar, até minha vida, até minh’alma, com incomensurável bom grado, pois de nada vale esse anjo que contigo falas se não um semblante carnal que busca em todos os becos e livros de poesia uma forma de satisfazer tua formosa poetisa. Desculpe-me pelo egoísmo inocente e genuíno, é que jamais suportaria perder-te para um qualquer ou ver que algum outro já é capaz de inundar-te com mais felicidade e embebedar-te com mais amor ingênuo do que eu. A ternura com qual trato-te é simplória e sincera, essa paixão cuja falo-te é cobiçada por bilhões de seres terrenos, então dê a elas o valor que fazem jus. Amo-te, minha flor, lírio encantado, talo de margarida, fragrância de marisia; amo-te e por amar-te assim tão intenso, compreendo-te e quero-te até o fim dos tempos…

Nenhum comentário:

Postar um comentário